Um ano com Virginia Woolf #14 — Ao Farol

Elaine Pinto Silva
4 min readAug 5, 2021

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Por Elaine Pinto Silva

Texto publicado originalmente em maio de 2021 na newsletter atrás da porta.

Olá, como vai a vida?

A última newsletter está reverberando por aqui, estou pensando em como eu leio um livro. Recentemente terminei de ler dois romances maravilhosos(!), e me dei conta de que, ao terminá-los, eu precisava de um descanso de ficção. Observei que se engato numa leitura teórica o processo de assimilação da leitura anterior flui bem, a mente parece mais arejada para histórias novas e as imediatamente anteriores vão sendo apreciadas.

Agora que não tenho mais que ler Virginia Woolf (para a tarefa que propus a mim mesma), minha lista de leitura está bem flexível, inclusive aceito sugestões.

Um dos romances terminados é o último do projeto #UmAnoComVirginiaWoolf: Ao Farol (1927). Mais um texto belíssimo, não à toa é considerado uma das obras-primas da autora. (Sem dúvida está entre os meus favoritos).

Em Ao Farol, conhecemos a sra. Ramsay, seu marido, os oito filhos e alguns amigos que costumam passar o verão em uma casa já desgastada nas ilhas Hébridas. A primeira parte, intitulada “a janela”, começa como se fosse uma história em andamento. Os filhos mais novos querem ir ao farol, mas o pai, sr. Ramsay, insiste em que, no dia seguinte, o tempo não vai estar bom para o passeio, o que leva a um dos embates silenciosos entre marido e mulher.

Todas as personagens rondam a sra. Ramsay: a amando, tentando entendê-la ou lutando com ela. É uma mulher inteligente, mesmo que diga o contrário, que executa com destreza o papel de “anjo do lar”, cuidando da casa e da família.

Estava tentando acabar essas meias intermináveis para mandá-las ao filho menor de Sorley, amanhã, disse a sra. Ramsay.

Não havia a menor possibilidade de irem ao Farol amanhã, irrompeu o sr. Ramsay irascivelmente.

Como podia sabê-lo? perguntou ela. Frequentemente o vento mudava.

​A extraordinária irracionalidade de sua observação, a ilogicidade da mente feminina, o enraiveciam.

Na segunda parte, “o tempo passa”, vemos, através da degradação da casa e do vai-e-vém de pensamentos dos empregados, os acontecimentos dos últimos anos. Agora, a velha casa se prepara para o retorno da família depois de tantas mudanças. Quase como uma névoa, o destino de algumas personagens nos são revelados: casamentos, filhos, guerra, mortes, incluindo a da sra. Ramsay e de alguns de seus filhos.

Na terceira parte, “o farol”, o retorno de alguns acontece. Sr. Ramsay, o viúvo, realiza, finalmente, o passeio ao farol com os filhos mais novos, agora quase adultos. O embate dos filhos com o pai durante o passeio retoma a percepção que a própria sra. Ramsay tinha dele. Lily, uma amiga da família que começou a pintar um quadro da sra. Ramsay anos antes, em seu retorno à ilha, retoma a pintura.

Ao Farol é um romance de Virginia Woolf quase autobiográfico, com a sra. Ramsay sendo um retrato de Julia Stephen (mãe de VW); e sua morte, um acontecimento aterrador para a família. Ainda assim, ela está presente o tempo inteiro, a notícia de sua morte não a tira do romance. O livro é sobre o imenso amor de uma filha pela mãe.

Ali estava, diante dela: A vida: pensava, mas não terminava o pensamento. Olhou a vida de relance, pois a sentia nitidamente ali, algo real, íntimo, que não compartilhava com os filhos, nem com o marido. Existia uma certa troca entre elas, na qual ela ficava de um lado, e do outro a vida.

A Sra. Ramsay conversa com a vida. Esta frase linda ouvi em um curso sobre Virginia Woolf, em abril, e enquanto terminava de ler o romance, ela repetia na minha cabeça. O que eu falaria para a vida?

É um daqueles momentos de consciência de tudo ao nosso redor, não importa o ruído dos talheres e das vozes, o movimento de quem entra ou sai da sala de jantar. Acredito que a sra. Ramsay viu com muita clareza o que acontecia ao seu redor e compreendeu que era a vida.

Há alguns anos traduzi um trecho do Ao Farol que publiquei no Medium.

No site literary hub a editora Emily Temple fez uma playlist para ler este clássico de Virginia Woolf: https://lithub.com/playlist-for-a-classic-novel-to-the-lighthouse/

Imagem da capa de “To the Lighthouse” por Vanessa Bell (irma de Virginia)
Imagem da capa de To the Lighthouse por Vanessa Bell (irma de Virginia)
Godrevy Lighthouse, de Judith Bridgland

Usei a edição da Ediouro de “Ao Farol”, traduzida por Luiza Lobo, de 1993.

Você já leu algum texto de Virginia Woolf? Se quiser trocar uma ideia me mande um e-mail. Você pode acompanhar também no Instagram, Medium e Goodreads.

Até mais, Elaine.

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